9 de julho de 2005

Sim Heitor, você vai ser o quê mesmo quando crescer?

Tudo num abrir e fechar de olhos. Num dia dormi depois de um disputado torneio de cuspe à distância e num outro já me vi tendo que esconder-me do show de minha mãe na rodoviária, mesclando lágrimas e bênçãos, vendo o último filho sair de casa pra estudar fora.

Primeiro dia na Universidade e 17 anos e meio de desejos reprimidos por uma educação com vocação para suco de limão, que além de parecer que sustenta, azeda a vida de qualquer adolescente em fase de descobrir tudo que é possível ao corpo e à mesada. Vê-se aí, que essa mistura nada tinha pra culminar em frutos que enchessem os olhos da amada, idolatrada, salve, salve Universidade pública e de qualidade. E até ser confrontado com a realidade diversificada, no que diz respeito às incoerências e em tudo mais, eu acreditei nesse conto de fadas de que essa instituição podia concretizar a resposta da famigerada frase, pela qual todos nós já fomos interpelados algum dia pelo pai médico-quero-te-deixar-meu-consultório, ou quem sabe da sua mãe-dona-de-casa-pelo-amor-de-Deus-vai-estudar-pra-não-ser-como-eu ou até pela sua tia-eu-tenho-certeza-que-esse-menino-não-vai-dar-pra-nada-que-preste.

Karine

7 de julho de 2005

A franja que eu cortei.

Relembrando uma surra, com 6 anos de idade, por achar que minha novíssima e caríssima boneca tinha uma franja muito grande. Cortei, ora, como ela ia enxergar a papinha, meu Deus? Apanhei muito, além do trauma de ter tido minha boneca quebrada por minha mãe às marteladas. Sinceramente, eu não acho que precisava tomar aquela surra miserável, que me fez correr pelo quarto que nem um pião, morrer der vergonha dos vizinhos que COM CERTEZA ouviram todo o escândalo que eu fiz, só pra aprender que quando a mãe compra algo para um filho isso não significa necessariamente que esse algo é dele, mas que você deve usar o tal do algo, não como sua criatividade de criança quer mas como a limitação dos seus pais te OBRIGA.

5 de julho de 2005

Heitor aos 5 anos

Nessa fase de pirralho, como me chamava minha antiga vizinha, aquela gorda do 302, eu era mesmo muito franzino, um palito. Só andava todo ralado e estropiado. Assustava-me com tudo e com todos. Assombrava-me com o vento e vivia com medo que algum dia ele pudesse me levar, que talvez me confundisse com um tronco fino e seco. E ainda tinha uma neura com queda.

Horas antes de sair pra escola achava que ia torcer o pé no último degrau da escada da saída do prédio, que todos estariam, não sei por que cargas d´água, vê-se aí a neura, nas janelas dos 28 andares do mesmo, e que minha fratura exposta e suja de terra ficaria exposta aos condôminos que formariam um grandessíssimo coral de risadas altas e escandalosas.

E foi depois de ouvir, ainda menino, por engano, quando entrava na cozinha, uma história que Neuza contava pra minha mãe, que eu tomei pavor também das baianas de acarajé. Meu medo de cair com a cara no tacho de dendê era tanto, que hoje eu só como acarajé se alguém comprar pra mim.

Eu não sei se aquela história da mulher deformada pelo dendê foi verdade porque aquela Neuza era mentirosa que só. Mas que tinha um ar de terror naquela voz rouca somada à aparência dela, isso tinha. Nada contra, mas eu tenho que considerar. Resumo da ópera: eu, um pirralho com 5 anos, que ainda matava lagartixa com badogue, e Neuza uma mulher de 31, com uma bunda que me assombrava e com a “doença da manchinha branca”, que era como eu chamava vitiligo. Foi empregada de lá de casa desde que eu comecei a respirar até o dia que minha mãe reparou que meu pai passou a reparar na bunda e nas outras coisas na Neuza que causavam no mínimo espanto além da doença, claro.

Karine

2 de julho de 2005

Heitor e a professora

Desde o princípio, eu já sabia que não ia suportar aquela professora: alta, magra, seios minúsculos, cabelos lânguidos e mais negros que o café forte que eu costumo tomar às 5:30 em jejum, cotidianamente como se fosse uma prece matinal.

Esse costume de galo de roça eu adquiri aos 5 anos, quando, por uma doidice de um despertador novo comprado no camelô, acordei assustado sem saber onde estava e nem mesmo qual era meu nome, tal foi o susto. E ainda por cima acordei pensando que estava cego. Minha mãe inventou de mudar a posição da minha cama e eu, que acordava sempre com um danado de um raio de sol que se espremia na fresta da minha janela e me atingia na cara como se fosse um raio laser de um ET, acordei nesse fatídico dia com o branco de fora a fora da parede. Custaram-me alguns minutos pra que eu me desse conta de que aquilo era uma parede. Se eu tivesse lido Saramago aos 5 anos, lembraria da reação do primeiro cego dele, como relembrei agora, contando isso.

Pois bem, eu tinha certeza que ia ter problemas sérios, da ordem de perder a matéria e tudo. E perdi.

Rumo à casa dos 74 kg!!! Desce, gráfico, desce!!!