7 de dezembro de 2004

Cheirinho de pão

"Quando eu morava com meus pais, lá naquela cidadezinha, todos os dias eu ia à padaria, todo dia no mesmo horário. Na verdade eu nem sabia qual era a hora no relógio. Só sei que quando sentia o cheiro de pão era a hora. A padaria ficava há poucos metros da minha casa e esse cheiro perfumava todas as minhas tardes, exceto os domingos.

Pense num dia sem cheiro! Era o meu domingo. Tudo bem, que as massas que minha mãe fazia perfumam a manhã. De vez em quando, à tarde eu ia ao parque e sentia o cheiro das rosas, de algodão-doce, de pipoca, de menino suado brincando de bola. Não era a mesma coisa. E quando chegasse aquela hora? Aquela hora que eu não sabia qual era? Sentia tanta falta daquele cheiro de pão fresquinho...

Todas as tardes eu dormia na rede, enquanto ouvia baixinho minha mãe, que cantarolava uma musiqueta qualquer pra meu irmão, dessas pra criança dormir. Então sentia o cheiro de todas as tardes mais uma vez. Quase que mecanicamente, levantava, pegava umas moedas que ficavam no cinzeiro de prata da sala e saia.

Quando eu era menino, menino de tamanho pequeno, minha mãe sempre me perguntava onde eu estava indo. Eu respondia com ar de menino que pensa que já é homem e que já pode comprar pão sozinho e que já sabe atravessar a rua e que já sabe obedecer a fila e fazer o pedido e que “já sei, minha mãe conferir o troco”. Mas ainda era um menino de tamanho bem pequeno e minha mãe de cabeça de mãe não me deixava ir. E eu sonhava em ser menino de tamanho grande pra poder comprar pão. Quando fiquei quase homem já podia comprar o pão sem ninguém me impedir e não precisava nem avisar. Quem avisava era o cheiro de pão que vinha lá da padaria.

O tempo passou. Hoje sou médico. Casei com uma médica e moro numa cidade grande. Moro num apartamento, acesso a internet, compro legumes enlatados. Quem arruma tudo é Dona Sílvia, muito boa empregada. A agência que escolheu. A babá, Cristina, fica o tempo todo com nosso bebê. Foi o nome dela que ele falou primeiro. É, ele está crescendo rápido, um dia desses só mamava e chorava. A gente almoça junto só no domingo, num restaurante aqui perto, que minha esposa não sabe cozinhar. Mas o bebê não vai, que é pra não fazer sujeira. Não gosto de sujeira de criança. Durante a semana, a gente come qualquer coisa no hospital.

Às vezes, no fim da tarde, eu sinto falta de alguma coisa. Mas não sei o que é. É quando estou contando o quanto ganhei naquele dia. Coloco uma música clássica e fico lá na minha sala fechada, curtinho meu ar-condicionado, meu incenso importado. Não consigo lembrar o que é. Mas dura pouco essa nostalgia, pois é logo substituída pelo orgulho de ver minha conta bancária crescendo.


Minha vida parece ser tão perfeita. Do que será que sinto tanta falta?"


PS1: Eu sonhei com esse homem numa noite que dormi pensando como seria a minha vida depois da minha formatura, no próximo dia 26 de fevereiro. No sonho eu estava com uma dor de cabeça e ele me contou essa história enquanto examinava meus pés. Só não sei pq ele examinava meus pés se a dor era na cabeça...

PS2: Desculpa tantos posts é que estou no fim do semestre e não sei quando poderei postar novamente.

Karine

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Rumo à casa dos 74 kg!!! Desce, gráfico, desce!!!